JANEIRO 2019 - A integração europeia em perigo |
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Francisco Sarsfield Cabral * |
A
União Europeia (UE) chegou a 2019 imersa em graves problemas. Vive-se a maior
crise da integração europeia, desde que esta se iniciou há quase 70 anos. E a
presente desaceleração do crescimento económico europeu não ajuda. É
certo que a integração europeia atravessou e ultrapassou sérias crises ao longo
da sua história. Por exemplo, depois de criada a Comunidade Europeia do Carvão
e do Aço, integrando França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo,
em 1952 foi assinado por esses seis países um tratado que deveria dar origem à
Comunidade Europeia de Defesa, primeira iniciativa integradora na área militar.
Mas o projeto abortou, pois foi rejeitado na Assembleia Nacional francesa em
1954, por votos de comunistas e gaullistas. Seis
anos depois, o nacionalismo do general de Gaulle opôs-se a votações por maioria
qualificada no Conselho de Ministros da CEE, medida prevista no Tratado de
Roma. Durante seis meses, o lugar da França no Conselho permaneceu vazio. A
crise foi ultrapassada com o compromisso de um Estado membro da CEE poder
bloquear uma medida que considerasse afetar o seu interesse
vital. Agora, porém, a UE enfrenta problemas sérios em múltiplas frentes. É esta simultaneidade de ameaças que suscita receios de um colapso na integração europeia. Imigração
e populismo O
problema da imigração evidenciou importantes falhas na Europa comunitária. A
chanceler Angela Merkel teve em 2015 uma atitude de generoso acolhimento aos
refugiados vindos das várias situações de guerra que então se viviam sobretudo
no Norte de África. Mas a opinião pública alemã não apoiou essa atitude, em
parte por receio de que, com os refugiados, viessem também terroristas. Ora não
faltaram recentes e trágicos atentados terroristas na Europa. Criticada
no interior do seu próprio partido, a CDU, e mais ainda no partido irmão da
Baviera, a CSU, Merkel teve de recuar, moderando (mas não eliminando) o seu
gesto de acolhimento. O que não bastou para evitar a subida eleitoral do
partido anti-imigração e eurocético Alternativa para a Alemanha, agora a
principal força de oposição ao governo de coligação de democratas-cristãos e
socialistas. A
hostilidade aos refugiados e imigrantes tornou-se a principal bandeira de
numerosos governos e partidos europeus. É uma causa aliciante para o populismo,
que não valoriza a solidariedade e ignora quanto a economia de uma Europa
envelhecida necessita de imigrantes para crescer. A
Comissão Europeia tentou pôr em prática um sistema de quotas para distribuir os
refugiados. Em vão: vários países que antes do colapso do comunismo pertenciam
à órbita soviética persistem em recusar acolher refugiados. Também a Itália
enveredou por essa via, com o atual governo de coligação entre a Liga de
Salvini (o verdadeiro “patrão” do executivo italiano) e o movimento 5 Estrelas. O
populismo do governo de Itália tem pelo menos uma válida razão de queixa: a UE
foi incapaz de rever o chamado acordo de Dublin, segundo o qual o primeiro país
da UE onde ponha o pé um imigrante fica responsável por ele. Como a maioria dos
refugiados vem da margem Sul do Mediterrâneo, os que conseguem sobreviver
(milhares morreram e ainda morrem tragicamente afogados) dirigem-se sobretudo
para a Itália e a Grécia (agora para Espanha). Ora os parceiros na UE destes
países não revelaram solidariedade para com eles, não os apoiando como deviam. A
recusa de Salvini, ministro do Interior, em receber mais imigrantes ilegais em Itália, como os
refugiados, levou o seu partido a subir nas sondagens, ultrapassando o 5
Estrelas, que havia ficado em primeiro lugar nas eleições de março de 2018. Ou
seja, o sentimento de hostilidade ao imigrante rende eleitoralmente na Europa.
O que não se nota apenas em países cuja identidade nacional é recente e não
muito intensa, como a Hungria, mas também em países antigos e de tradição
acolhedora, como a Suécia. Trump
contra a integração europeia A
pulsão europeia anti-imigrante colhe inspiração na política isolacionista de Trump.
Não é por acaso que o chefe da campanha eleitoral de Trump e seu ex-conselheiro
ideológico, Steve Bannon, criou um movimento, a partir de Bruxelas e fortemente
implantado em Itália, cujo objetivo é destruir a UE por dentro. Num primeiro
passo, procura coordenar esforços entre todos os partidos eurocéticos da UE
(incluindo o recém-chegado espanhol Vox) de modo a obterem uma forte votação
nas próximas eleições para o Parlamento Europeu (PE), no fim de maio. Trump
saudou a prevista saída do Reino Unido da UE (o chamado Brexit) e manifesta um
fraco empenhamento na NATO. É uma viragem completa na política externa
americana, que após a II guerra mundial estimulou a integração europeia,
sobretudo com o Plano Marshall, e considerou a CEE, depois UE, um primeiro
baluarte contra o expansionismo soviético. A
mudança americana leva hoje políticos como Merkel a afirmarem que a Europa tem
de contar apenas consigo própria para se defender. Mas durante décadas os
europeus acharam barato e cómodo viverem à sombra da proteção militar dos EUA.
Por isso, o potencial militar da maioria dos Estados membros da UE,
nomeadamente da Alemanha, é agora muito débil. E
se o expansionismo soviético pertence ao passado, a agressividade de Putin (que
quer ultrapassar o trauma de a Rússia já não ser uma superpotência) suscita
preocupações, nomeadamente nos países bálticos e na Polónia. O
que se passou com as interferências militares russas na Ucrânia (incluindo a
anexação da Crimeia) e na Geórgia não é propriamente tranquilizador. A atuação
agressiva de Putin poderia unir os europeus, replicando, embora em menor
escala, o que se passou com o expansionismo soviético – um importante “cimento”
da integração, que se desvaneceu com o fim da guerra fria. Só
que o reforço militar da UE precisa de dinheiro e tempo para se concretizar,
além do apoio das opiniões públicas. O Brexit não facilitará essa recuperação
na área da defesa, pois o Reino Unido é um Estado com uma importante e eficaz
força militar. E só o Reino Unido e a França possuem armas nucleares. O
sarilho do Brexit A
saída da UE de um país como o Reino Unido é, naturalmente, um golpe na
integração europeia. Uma integração perante a qual os britânicos sempre
mantiveram posições ambivalentes. O enorme sarilho em que os britânicos – e, em
menor escala, os outros membros da UE – se colocaram parte de um erro de
cálculo do anterior primeiro-ministro David Cameron: pensava que ganharia o
referendo de 2016 sobre a pertença ou não à UE, mas perdeu-o. A
campanha dos partidários do Brexit foi imprudentemente enganosa – em boa parte porque
nem muitos deles acreditavam ganhar. Por isso e como reflexo das divisões dos
conservadores sobre a Europa, a atual primeira-ministra Theresa May negociou o
“acordo de divórcio” com a UE sob uma constante e violenta onda de críticas
internas, grande parte delas vinda do seu próprio partido conservador. No
momento em que escrevo – início de janeiro de 2019 – é impossível prever o que se irá passar. Várias
hipóteses se apresentam, desde um Brexit com acordo de saída (sendo o difícil
problema da fronteira entre a República da Irlanda e o Ulster resolvido num
futuro acordo sobre as relações entre a UE e o Reino Unido) até um novo
referendo que leve à anulação do Brexit, passando por uma caótica saída sem
acordo, aquele já negociado, mas que suscita muitas rejeições entre os
britânicos. Esta
última hipótese, a concretizar-se, traria o caos no comércio dos países da UE
com o Reino Unido e agravaria as incertezas dos emigrantes da UE naquele país,
bem como dos britânicos que vivem no espaço comunitário. Mas mesmo aquele que
vejo como o menor dos males – a reversão da saída britânica da UE, após um novo
referendo ou até sem ele – deixaria marcas profundas de divisão no Reino Unido,
com uma parte da opinião pública queixando-se de “traição” durante longos anos
e promovendo o ódio à integração europeia. O
processo do Brexit revelou, porém, um lado positivo: a unidade dos 27 durante
as negociações, contrastando com a incapacidade britânica de apresentar uma
frente unida e clara. Foram desmentidas as previsões que apontavam para que
vários outros Estados membros da UE iriam seguir o exemplo do Brexit. A
democracia iliberal Também
noutras áreas onde se registam violações dos valores próprios da integração
europeia podem encontrar-se sinais de esperança. É o caso, nomeadamente, da
deriva da chamada “democracia iliberal”. É assim que o primeiro-ministro da
Hungria, Viktor Orban, designa o regime do seu país. Aí, bem como na Polónia e
noutros Estados membros, o poder político interfere na justiça e condiciona a
comunicação social. Em
relação à Polónia, porém, aconteceu que a Comissão Europeia, além de outras
iniciativas, levou ao Tribunal Europeu a decisão do governo de Varsóvia,
concretizada no início de 2018, de afastar cerca de um terço dos juízes do
Supremo Tribunal da Polónia, substituindo-os por outros, politicamente mais
próximos do poder. Pois
o Tribunal Europeu sentenciou que o governo polaco teria de readmitir os juízes
afastados. Surpreendentemente, o poder político da Polónia acatou a sentença do
Tribunal Europeu, tendo o parlamento polaco (onde o partido governamental
dispõe de larga maioria) aprovado uma lei que readmite os juízes antes
compulsivamente forçados à reforma. Claro
que esta vitória pontual não faz esquecer que vários países, que viveram
décadas sob o comunismo e depois entraram na UE, estão longe de serem
democracias pluralistas e liberais estabilizadas. Além da Hungria e da Polónia,
a democracia enfrenta problemas na Bulgária e sobretudo na Roménia, onde a
corrupção atinge níveis alarmantes. Também
noutros Estados membros as forças populistas eurocéticas têm hoje considerável
peso político, de Malta à Suécia, passando pela Eslováquia, República Checa e
Áustria. Em Viena, a extrema-direita faz parte da coligação governamental. A
Itália e o euro Um
outro caso de recuo pontual das forças eurocéticas e populistas deu-se no
conflito entre o governo italiano e a Comissão Europeia. Aquele governo, de
coligação de um partido de extrema-direita, a Liga, com o populista 5 Estrelas,
apresentou uma proposta de Orçamento para 2019 em clara violação das regras da
moeda única. A
Comissão Europeia reagiu mal, naturalmente. Mas os governantes italianos
mantiveram durante semanas um discurso de desafio e até de provocação a
Bruxelas. A
partir de certa altura, porém, esse discurso populista mudou, porventura porque
os juros da enorme dívida pública italiana subiam perigosamente nos mercados e
uma emissão interna dessa dívida não terá corrido bem. Convém lembrar que, quando
em 2013 se tornou líder da Liga do Norte, Salvini (um curioso nacionalista, que
queria dividir a Itália, criando no Norte um novo país, a Padânia...) era
ferozmente contra o euro. Agora ministro e de facto quem manda no governo
italiano, Salvini defende a manutenção da Itália no euro, provavelmente por
motivos eleitorais O
facto é que o governo italiano, que inicialmente proclamava que não mudaria uma
vírgula na sua proposta orçamental, fez algumas alterações, que levaram a
Comissão a suspender a sua ameaça de desencadear
contra a Itália um procedimento por défice excessivo. Pelo menos para já, o
conflito está ultrapassado, embora possa reacender-se se o governo italiano não
cumprir as suas promessas. Mas a flexibilidade da Comissão também revela consciência
da necessidade de, nesta altura, evitar mais uma crise na Europa comunitária. Se
regressar, esse conflito será extremamente perigoso para o futuro do euro, pois
a economia italiana tem uma dimensão que não permite um resgate como aqueles de
que foram alvo a Grécia, Portugal e a Irlanda. Ora a reforma da zona euro está
atrasada, em particular no que toca à união bancária. Falhas
na arquitetura do euro De
facto, apesar de alguns pequenos passos que foram dados na última reunião de
2018 do Eurogrupo (ministros das Finanças da zona euro), presidido por Mário
Centeno, falta concretizar medidas como um seguro europeu de depósitos
bancários e um orçamento específico da zona euro. Quando
em 1992 o Tratado de Maastricht criou a moeda única europeia, Jacques Delors,
então presidente da Comissão Europeia, multiplicou-se em avisos, alertando para
que a união monetária não era dissociável da união económica. O que implicaria,
no mínimo, uma certa coordenação de políticas económicas. Ora
a Alemanha nunca aceitou reduzir o seu grande excedente externo, de modo a
ajudar as importações vindas de países como Portugal, que há oito anos tinha um
défice nas suas contas externas de 10% do PIB. Por outro lado, em vários países
do Norte da Europa, liderados pela Holanda, persiste uma forte hostilidade das
opiniões públicas no que respeita à solidariedade para com os países do Sul,
considerados irresponsáveis. Por
isso, jamais viram a luz do dia as célebres obrigações europeias (“eurobonds”),
nem outras possíveis medidas que envolvessem algum grau de mutualização das
dívidas públicas – isto é, de partilha de riscos. No entanto, foram
concretizados alguns avanços. Centeno
defende o método dos compromissos sobre reformas incrementais, ou seja, dos
pequenos passos no processo de integração. É por aí que o presidente do
Eurogrupo espera ir avançando em questões ainda em aberto na reforma do euro,
como o sistema europeu de garantia de depósitos bancários, a provisão de
liquidez em resoluções bancárias e o orçamento da zona euro. Oxalá M. Centeno
tenha sucesso. O
eixo franco-alemão Até
aos problemas provocados pela forte entrada de refugiados e imigrantes a partir
de 2015 (a onda migratória diminuiu substancialmente depois), a chanceler alemã
Merkel liderou a integração europeia. Mas as já referidas críticas à sua
política de imigração tiraram força à chanceler. Em dezembro, Merkel abdicou de
ser líder da CDU, sendo substituída pela sua candidata favorita. Merkel
manteve-se à frente do governo, mas não se recandidatará a chanceler. Este
foi o primeiro golpe na desejada revitalização do chamado eixo franco-alemão,
motor da integração – pois foi a paz trazida às trágicas relações entre os dois
países, França e Alemanha, o primeiro e fundamental objetivo dos “pais da
Europa”. O
novo presidente de França, Emanuel Macron, venceu a populista e eurocética
Marine Le Pen nas eleições presidenciais de 2017. E assume-se como um
europeísta convicto. Após eleito o novo presidente, o movimento criado por
Macron alcançou uma confortável maioria na Assembleia Nacional francesa,
deixando em maus lençóis partidos tradicionais à esquerda e à direita. E Macron
concretizou até algumas reformas, como nos caminhos de ferro, apesar das
greves. Mas
após um ano e meio de presidência, Macron foi derrotado pelos chamados “coletes
amarelos”, numa revolta informal que se prolongou com manifestações, por vezes
violentas, por sucessivos sábados em Paris e noutras cidades francesas. Macron
respondeu às reivindicações – muitas delas irresponsáveis e contraditórias –
com a promessa de gastos públicos adicionais de cerca de 10 mil milhões de
euros. É provável que o défice orçamental do Estado francês ultrapasse em 2019
os 3% do PIB. Não
se sabe se Macron conseguirá “dar a volta”. Mas é evidente que, pelo menos,
fica adiado o debate das ousadas propostas de Macron sobre o futuro da UE. A
integração europeia está sem líder num ano de importantes eleições para o
Parlamento Europeu, nas quais apostam os eurocéticos. Alertas
ignorados Os
dirigentes europeus – governantes dos Estados membros e dirigentes das
instituições europeias – nos últimos trinta anos têm responsabilidades no
afastamento de boa parte das opiniões públicas nacionais face aos ideais e
valores do projeto europeu. Não faltaram os alertas, em larga medida ignorados. O
Tratado de Maastricht foi assinado em fevereiro de
1992. Em junho desse ano (ainda durante a primeira
presidência portuguesa da CEE) um referendo na Dinamarca rejeitou o tratado.
Depois de algumas concessões, como ficar fora da moeda única, os dinamarqueses
aprovaram o tratado em novo referendo. O
presidente Mitterrand entendeu dever realizar em França um referendo sobre
Maastricht em setembro de
1992. Os franceses tinham sido os principais impulsionadores da moeda única
europeia, para alegadamente se livrarem do poderio do marco alemão. Pois o
tratado que criou a moeda única foi aprovado em França por uma diferença
mínima. Um importante sinal de alerta que, na prática, foi ignorado. Depois,
em 2004, a chamada “constituição europeia” (de facto, um tratado
constitucional) foi rejeitada em França e na Holanda, dois países fundadores da
integração europeia. A “constituição europeia” foi depois substituída pelo
Tratado de Lisboa (2007), apresentado enganosamente como sendo algo
completamente diferente. Não era, apenas modificava algumas disposições de
natureza sobretudo simbólica. As opiniões públicas foram enganadas, o que
contribuiu para descredibilizar a UE. Défice
democrático? Os
deputados do Parlamento Europeu (PE), começaram por ser destacados dos
parlamentos nacionais. A partir de 1979, porém, passaram a ser eleitos em cada
Estado membro por sufrágio direto e universal. Mais democracia? Nem por isso:
embora os poderes daquele parlamento tenham aumentado significativamente, as
sucessivas eleições registaram níveis sempre crescentes de abstenção. E o
debate eleitoral frequentemente pouco teve a ver com questões europeias.
Espera-se que a aposta dos eurocéticos nas próximas eleições para o PE, entre
23 e 26 de maio, leve para a campanha deste ano o futuro da integração
europeia. Fala-se
muito em “défice democrático” na UE. Formalmente, nem é verdade, pois nos
principais órgãos de decisão – o Conselho e o PE – estão políticos eleitos. Mas
a UE é um “bicho estranho”, nem um super Estado europeu nem uma mera
organização intergovernamental. O cidadão europeu sente-se longe de uma máquina
decisória que sente ser algo opaca. Esta
situação exige dos dirigentes europeus um esforço de transparência e de
proximidade que, nas últimas décadas, não existiu. E aconselha medidas como uma
maior participação dos parlamentos nacionais nas decisões europeias. O Tratado
de Lisboa avançou um pouco nessa direção, mas seria preciso ir mais longe. Só
que uma qualquer revisão daquele tratado iria desencadear vários referendos e
provavelmente outras tantas crises. Não é agora a altura oportuna para
alterações no Tratado de Lisboa. A
crise não é só da UE Por
outro lado, importa ter presente que que a crise não é apenas europeia. A
eleição de Trump nos EUA, o regresso dos nacionalismos em países como a Índia e
a China, a eleição de Bolsonaro no Brasil, etc., são consequência de dois
fatores principais, que também atingem a UE: o aumento das desigualdades de
rendimentos no interior dos países e os problemas de identidade nacional
trazidos pela globalização. O
capitalismo industrial transferiu para a classe média uma grande parte do
proletariado. Foi um democratizador económico e social. Mas o capitalismo
financeiro, a partir dos anos 70 do séc. XX, bem como as novas tecnologias
informáticas, voltaram a abrir brutalmente o leque de rendimentos: os salários
mais baixos pouco sobem, dada a concorrência dos países de mão-de-obra muito
barata, e os rendimentos das classes médias estagnam (quando, antes, melhoravam
praticamente todos os anos). Entretanto, uma pequena minoria – há quem fale em
apenas 1% da população – enriquece fabulosamente. Por
outro lado, as migrações são uma faceta da globalização. Os países mais
atingidos pela imigração, sobretudo de muçulmanos, receiam perder a sua
identidade. É difícil viver em sociedades multiculturais como, cada vez mais,
serão as nossas. O
que cria uma divisão entre pessoas com uma visão aberta e cosmopolita, situadas
predominantemente em zonas urbanizadas, e outras que vivem sobretudo noutras
áreas e que se sentem ameaçadas na sua identidade. Daí o acolhimento destas
últimas a nacionalismos serôdios e a líderes autoritários. Não esqueçamos, porém, que do lado da abertura às diferenças estão sobretudo os jovens. Veja-se a votação do Brexit em 2016, na qual a permanência do país na UE predominou entre os mais novos. O futuro da Europa comunitária depende deles. |